Parecer Jurídico Concluído nº 4 de 2023

Identificação Básica

Tipo de Matéria Legislativa

Parecer Jurídico Concluído

Ano

2023

Número

4

Data de Apresentação

27/11/2023

Número do Protocolo

100

Tipo de Apresentação

Escrita

Texto Original

Numeração

    Outras Informações

    Apelido

     

    Dias Prazo

     

    Matéria Polêmica?

    Não

    Objeto

     

    Regime Tramitação

    NORMAL

    Em Tramitação?

    Não

    Data Fim Prazo

     

    Data de Publicação

     

    É Complementar?

    Não

    Origem Externa

    Tipo

     

    Número

     

    Ano

     

    Local de Origem

     

    Data

     

    Dados Textuais

    Ementa

    PROJETO DE LEI Nº 28/2023. INICIATIVA PARLAMENTAR. INCLUSÃO DE CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS NO CURRÍCULO ESCOLAR DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO. MATÉRIA ADMINISTRATIVA QUE TRATA DA ORGANIZAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO E ATRIBUIÇÕES DE SECRETARIA MUNICIPAL. VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL.

    Indexação

    PARECER JURÍDICO

    Origem: Requerimento encaminhado pela Vereadora Relatora da Comissão de Justiça e Redação, Senhora Grasiela Cristina Giacobbo Nodari, em 24 de novembro de 2023, solicitando a emissão de parecer jurídico quanto à legalidade do Projeto de Lei nº 28/2023, de autoria do Senhor Vereador Cláudio Alain Guterres do Carmo, que determina a inclusão dos conteúdos programáticos sobre: "Noções Básicas sobre a Lei Federal Nº 11.340, de 7 de Agosto de 2006 – Lei Maria da Penha"; e “Noções Básicas sobre a Lei Federal Nº 14.344, de 24 de Maio de 2022 – Lei Henry Borel”, no currículo das escolas da rede pública municipal de ensino.

    EMENTA: PROJETO DE LEI Nº 28/2023. INICIATIVA PARLAMENTAR. INCLUSÃO DE CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS NO CURRÍCULO ESCOLAR DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO. MATÉRIA ADMINISTRATIVA QUE TRATA DA ORGANIZAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO E ATRIBUIÇÕES DE SECRETARIA MUNICIPAL. VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL.

    I - DO RELATÓRIO:

    Na data de 16/11/2023, foi proposto pelo Senhor Vereador Cláudio Alain Guterres do Carmo, o Projeto de Lei nº 28/2023, que determina a inclusão dos conteúdos programáticos sobre: "Noções Básicas sobre a Lei Federal Nº 11.340, de 7 de Agosto de 2006 – Lei Maria da Penha"; e “Noções Básicas sobre a Lei Federal Nº 14.344, de 24 de Maio de 2022 – Lei Henry Borel”, no currículo das escolas da rede pública municipal de ensino.

    Incluído no expediente da sessão ordinária do dia 20/11/2023, referido projeto de lei foi remetido às Comissões pertinentes, para a devida análise e emissão de pareceres.

    Na data de 24/11/2023, a Vereadora Relatora da Comissão de Justiça e Redação desta Casa de Leis, Senhora Grasiela Cristina Giacobbo Nodari, encaminhou requerimento a esta Procuradoria Jurídica, solicitando a emissão de parecer jurídico quanto à legalidade do mencionado projeto de lei.

    Diante disso, esta Procuradoria Jurídica vem apresentar o parecer solicitado, nos termos da fundamentação a seguir exposta.

    II - DA FUNDAMENTAÇÃO:

    Preliminarmente, cabe analisar a competência e a legitimidade quanto à iniciativa parlamentar da proposição em exame.

    A competência legislativa municipal encontra amparo nos artigos 2º e 3º, ambos da Lei Orgânica Municipal, e dentre elas está a de legislar sobre assuntos de interesse local e, de forma concorrente com a União e Estado, no que couber, promover a educação e a cultura, conforme previsão expressa no citado artigo 3º.

    O artigo 30, incisos I e II, da Constituição Federal, permite aos Municípios exercer a competência legislativa sobre assuntos de interesse local e de suplementar as normas editadas pelos outros entes da Federação, inclusive no que tange às matérias elencadas no artigo 24 da Carta Magna. A expressão "no que couber", utilizada pelo constituinte, denota o limite da competência, evidenciado no interesse eminentemente local a ser demonstrado.

    Quanto à competência da Câmara Municipal, esta, por iniciativa própria ou não, pode dispor e legislar sobre as matérias de competência do Município, desde que respeitado em cada caso a iniciativa privativa do Prefeito Municipal, de acordo com o estabelecido no artigo 8º, caput, Lei Orgânica Municipal - LOM.

    Neste sentido, considerando que o projeto de lei em análise visa a inclusão no currículo escolar das instituições de ensino municipais, de disciplinas relacionadas à noções básicas sobre a Lei Federal nº 11.340, de 7 de Agosto de 2006 – Lei Maria da Penha"; e noções básicas sobre a Lei Federal nº 14.344, de 24 de Maio de 2022 – Lei Henry Borel, deve-se mencionar que compete à União legislar privativamente sobre as diretrizes e bases da educação nacional, o que não exclui a competência suplementar dos Municípios, quando presente o interesse local.

    A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei Federal nº 9.394/96, editada pela União, reconhece esta competência, nos termos do artigo 11, inciso III, artigo 26, caput, e artigo 27, inciso I, quais transcrevem-se:

    Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
    [...]
    III - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;

    Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos.

    Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes:
    I - a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática;

    Observadas, portanto, as diretrizes e bases nacionais estabelecidas na norma federal, o Município tem autonomia para decidir sobre as matrizes curriculares das escolas de seu sistema de ensino.

    Desta maneira, quanto à ótica do direito material, não se vislumbra nenhum óbice à tramitação do projeto de lei em análise, uma vez que trata de assunto de competência municipal.

    Entretanto, sob o aspecto formal, o projeto de lei apresenta vício de iniciativa, eis que trata de matéria tipicamente administrativa, de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo Municipal.

    Quanto à reserva de iniciativa de determinadas matérias, o artigo 45, § 1º, Lei Orgânica Municipal, traz o rol de assuntos de competência exclusiva de iniciativa do Prefeito Municipal, compreendo as de natureza orçamentária, administrativa, como a criação, transformação ou extinção de cargos, empregos ou funções, que importem em aumento de despesa ou diminuição de receita, que disciplinem o regime jurídico de pessoal ou que tratem da estruturação e organização de órgãos atrelados ao Executivo Municipal.

    A respeito disso, Hely Lopes Meirelles (Direito Municipal Brasileiro, Malheiros Editores, 8ª ed., p. 541 e 543), assim ensina:

    “As atribuições do prefeito, como administrador-chefe do Município, concentram-se basicamente nessas três atividades: planejamento, organização e direção de serviços e obras da Municipalidade. Para tanto, dispõe de poderes correspondentes de comando, de coordenação e de controle de todos os empreendimentos da Prefeitura.”

    E continua:

    “A execução de obras e serviços públicos municipais está sujeita, portanto, em toda a sua plenitude à direção do prefeito, sem interferência da Câmara, tanto no que se refere às atividades interna das repartições da prefeitura (serviços burocráticos ou técnicos) quanto às atividades externas (obras e serviços públicos) que o Município realiza e põe à disposição da coletividade.”

    Deste modo, leis que disponham sobre a organização e funcionamento da administração pública, criando atribuições aos órgãos do Poder Executivo, devem ter origem no Executivo, nos termos do artigo 45, § 1º, da Lei Orgânica Municipal, e da própria Constituição do Estado do Paraná, em seu artigo 66, inciso IV, que se aplica igualmente ao Município, em decorrência do princípio constitucional da simetria, diante o que dispõe o artigo 29, caput, da Constituição da República.

    Data vênia, o projeto de lei de iniciativa parlamentar em exame, adentra na competência privativa do Prefeito Municipal, ao determinar a inclusão de conteúdos na grade curricular das instituições de ensino municipais, ferindo, assim, o princípio constitucional da separação dos poderes, insculpido no artigo 2º, da Constituição Federal.

    A impossibilidade parlamentar de dispor sobre a atribuição dos organismos públicos locais vem sedimentada na Tese nº 917, do Supremo Tribunal Federal, que abaixo podemos conferir:

    Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a administração pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II,"a", "c" e "e", da Constituição Federal). [ARE 878.911 RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tema 917] grifei.

    Ainda quanto ao tema, existem reiteradas decisões judiciais, em casos semelhantes, no sentido de declarar inconstitucional a norma de iniciativa parlamentar, que visa incluir conteúdos curriculares na grade de ensino das escolas públicas municipais, conforme colacionam-se:

    AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DO SUL. LEI MUNICIPAL Nº 7.716/2017. TORNA O ENSINO DA LEI Nº 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA) PARTE DO PLANO DE ESTUDOS DO ENSINO FUNDAMENTAL DAS ESCOLAS PÚBLICAS MUNICIPAIS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VÍCIO DE INICIATIVA.
    1. A Lei Municipal nº 7.716/2017, de iniciativa parlamentar, inclui, no Plano de Estudos do Ensino Fundamental das escolas públicas do Município, conteúdos sobre a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).
    2. A despeito da nobre intenção do legislador, os comandos da Lei impugnada implicam interferência direta nas atividades da Secretaria Municipal de Educação e do Conselho Municipal de Educação. Assim sendo, constituem matéria de iniciativa pertencente ao Prefeito Municipal.
    3. O teor do Plano de estudos do Ensino Fundamental de instituição pública de ensino é assunto inerente à Administração Municipal, cuja direção, organização e funcionamento é atribuição do Chefe do Executivo.
    4. Nessa conjuntura, também há transgressão do princípio da harmonia e independência entre os Poderes Estruturais.
    5. Ofensa aos arts. 8º, 10, 60, II, alínea “d”; 82, II, III, VII, todos da CE/89. Precedentes deste Órgão Especial. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME.
    (TJ-RS - ADI: 70082010059 RS, Relator: Eduardo Uhlein, Data de Julgamento: 02/09/2019, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 11/10/2019) grifei

    AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL Nº 3.696/2014 - Município de Mirassol - iniciativa parlamentar – LEI QUE DISPÕE SOBRE A obrigatoriedade da educação política e social no currículo escolar das Escolas da rede municipal de ensino de Mirassol e dá outras providências - Invasão da competência reservada ao Chefe do Poder Executivo - Ingerência na Administração do Município - Vício de iniciativa configurado - Violação ao Princípio da Separação de Poderes - Criação de despesas sem a indicação da fonte de custeio - Violação dos artigos 5º, 24, § 2ºe 2, 25, 47, II e XIV, 144 e 176, I, Da Constituição do Estado DE SÃO PAULO - Precedentes - Inconstitucionalidade reconhecida. (TJ-SP - ADI: 20170447620158260000 SP 2017044-76.2015.8.26.0000, Relator: João Negrini Filho, Data de Julgamento: 16/09/2015, Órgão Especial, Data de Publicação: 17/09/2015) grifei

    E ainda:

    AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - MEDIDA CAUTELAR - PRESENÇA DO "FUMUS BONI IURIS" E DO "PERICULUM IN MORA" - LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR QUE IMPÕE A DISCIPLINA 'NOÇÕES BÁSICAS DE DIREITO' NA REDE ESCOLAR MUNICIPAL - MATÉRIA DE NATUREZA ADMINISTRATIVA - VÍCIO DE INICIATIVA - COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO EXECUTIVO - AFRONTA À SEPARAÇÃO E HARMONIA ENTRE OS PODERES - OFENSA AO ART. 173 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - AUSÊNCIA DE PRÉVIA PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA PARA O CUSTEIO DA MEDIDA - LIMINAR CONCEDIDA. (TJ-MG - Ação Direta Inconst: 10000205422868000 MG, Relator: Márcia Milanez, Data de Julgamento: 26/01/2022, Órgão Especial / ÓRGÃO ESPECIAL, Data de Publicação: 04/02/2022) grifei

    Não cabe ao Legislativo Municipal, mesmo sob o pretexto de efetivar ou promover políticas públicas importantes, como é o caso da educação pública, tomar a iniciativa e determinar ao Poder Executivo ações e medidas que devem ser deflagradas pelo próprio Executivo, como Poder independente e responsável pela sua organização, atribuições e execução das ações e medidas necessárias ao desenvolvimento educacional no âmbito das instituições públicas municipais de ensino.

    Não obstante, em razão da importância do tema trazido à discussão, o projeto de lei em análise pode ser sugerido pelo parlamentar ao Poder Executivo, no exercício da função de assessoramento da vereança, por meio de indicações, como bem observa a doutrina:

    “Em razão da condição de representantes legítimos da população, é facultado aos vereadores o exercício atípico da função de assessoramento, encaminhando matérias e proposições da competência administrativa do executivo municipal.” (CORRALO, Giovani da Silva. Curso de Direito Municipal. São Paulo: Atlas, 2011, p. 148.)

    Cumpre esclarecer, conclusivamente, que todo o exposto se trata de parecer opinativo, ou seja, tem caráter técnico-opinativo, não vinculando os pareceres a serem exarados pelas Comissões Permanentes e nem a apreciação e votação da matéria, a ser eventualmente realizada pelo Plenário desta Casa de Leis, de acordo com as normas regimentais.

    Nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal que, de forma específica, já expôs a sua posição a respeito, in verbis:

    “O parecer emitido por procurador ou advogado de órgão da administração pública não é ato administrativo. Nada mais é do que a opinião emitida pelo operador do direito, opinião técnico-jurídica, que orientará o administrador na tomada da decisão, na prática do ato administrativo, que se constitui na execução ex ofício da lei. Na oportunidade do julgamento, porquanto envolvido na espécie simples parecer, ou seja, ato opinativo que poderia ser, ou não, considerado pelo administrador.” (STF - MS: 24584 DF, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 09/08/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 19-06-2008)

    III - DA CONCLUSÃO:

    Diante o exposto, após análise do Projeto de Lei nº 28/2023, de autoria do Senhor Vereador Cláudio Alain Guterres do Carmo, esta Procuradoria Jurídica emite parecer contrário à proposição, por considerar inviável a sua tramitação legal, diante a configuração da inconstitucionalidade formal decorrente do vício de iniciativa da matéria, nos termos da fundamentação retro.

    A presente proposição pode, entretanto, ser objeto de indicação pelo digno edil, nos termos do artigo 113 e seguintes, do Regimento Interno desta Casa.

    Por fim, salienta que o presente parecer jurídico é meramente técnico-opinativo, não vinculando os pareceres a serem exarados pelas Comissões Permanentes e nem a apreciação e votação da matéria, a ser eventualmente realizada pelo Plenário desta Casa de Leis, de acordo com as normas regimentais.

    É o PARECER. S.M.J.

    Santo Antônio do Sudoeste-PR, 27 de novembro de 2023.



    ANTONIO LUCAS TOMAZONI
    Procurador Jurídico
    OAB/PR 69.423

    Observação

    Protocolo: 100/2023, Data Protocolo: 27/11/2023 - Horário: 15:46:16